A articulação sacro-ilíaca, devido a sua anatomia, é uma articulação especial a qual está sujeita a uma série de patologias (RIBEIRO; SCHMIDT; VAN DER WURFF, 2003). O termo disfunção sacro-ilíaca é freqüentemente usado para descrever a dor sobre ou ao redor da articulação e acredita-se que seja causada por desordens biomecânicas nesta (DREYFUSS et al., 1994). Desde o início do século XX, acredita-se que a articulação sacro-ilíaca constitua a principal fonte de dor ciática, admitindo que, assim como esta, a lombalgia, é causada freqüentemente por quantidade de movimento anormal nas articulações pélvicas, sobretudo na sacro-ilíaca (DEFRANÇA, 1996). Sendo assim, este estudo tem como objetivo realizar uma breve revisão de literatura sobre a disfunção sacro-ilíaca, sua relação com a dor lombar, os principais testes para avaliá-la bem como seu tratamento do ponto de vista da terapia manual.
Disfunção sacro-ilíaca
A ortopedia tradicional reconhece como lesões na articulação sacro-ilíaca os processos degenerativos, traumáticos, inflamatórios e infecciosos. Dentro destes, são citados a artrite: séptica ou reumática – inflamatória ou infecciosa; o entorse ou estiramento dos ligamentos sacro-ilíacos e a instabilidade. Nesta linha de pensamento, as chamadas disfunções articulares são definidas como diminuição reversível da mobilidade articular e, em relação às articulações sacro-ilíacas são consideradas mal definidas e difíceis de comprovar, chegando a questionar a existência deste fenômeno (LEE, 2001).
A osteopatia apresenta um conceito de “disfunção somática” para explicar certas alterações da funcionalidade do organismo. Segundo Ricard e Sallé (1996), a disfunção somática é uma restrição de mobilidade da articulação, devido à ausência de mobilidade de um elemento conjuntivo. Segundo Bienfait (2000), estas são ditas “lesões fisiológicas”, pois se tratam de uma limitação do movimento de um segmento ósseo, e não de uma luxação ou subluxação articular. Não há portanto, um deslocamento do segmento ósseo, somente uma restrição do seu movimento, que ocorre ao nível dos chamados micromovimentos, ou movimentos acessórios, da articulação. Uma vez restritos estes movimentos, os macromovimentos, ou movimentos fisiológicos da articulação estarão também limitados. Esta restrição pode ser dolorosa devido à tensão imposta aos ligamentos, o que estimula os seus mecanorreceptores, desencadeando dor.
Acredita-se atualmente que a articulação sacro-ilíaca seja responsável por grande parte dos casos de dor lombosacral, talvez em até 40% dos casos (DAUM, 1995).
A perda de mobilidade articular de um elemento no corpo deve ser compensada com o hiperfuncionamento de outro. A hipermobilidade é compensatória às fixações vertebrais que são supra ou infrajacentes. Um espasmo muscular e aderências caracterizam a hipomobilidade, por ocorrer na fixação articular. Como é assintomática, só pode ser detectada por testes de mobilidade comparativa (RICARD, 2001).
As noções puramente quiropráticas desenvolvidas por James Cox, no tratamento das afecções lombo-pélvicas e das ciáticas envolvem a hiper- hipomobilidade (COX, 2002). A zona de hipermobilidade compensadora se caracteriza por uma hipotonia muscular. Ela é o local das dores espontâneas, ocasionados pela inflamação dos tecidos periarticulares (músculos, ligamentos, cápsulas articulares), ela pode causar uma irritação das raízes nervosas. Os sinais clínicos estão ligados à zona hipermóvel, e os testes de mobilidade são negativos (RICARD; SALLÉ, 2002).
O estado de hipomobilidade pode resultar em adesões fibrosas nas articulações sacro-ilíacas com obliteração da cavidade sinovial, levando a um “ressecamento” de a extremidade articular e hipermobilidade da outra extremidade da mesma articulação (OLIVER; MIDDLEDICH, 1998; BIENFAIT, 2000).
Clinicamente, parece que o avanço da idade não implica na diminuição de mobilidade (LEE, 2001).
Dor sacro ilíaca
Os sintomas relatados pelos pacientes com disfunção sacro-ilíaca incluem dor unilateral sobre a articulação sacro-ilíaca e/ou nádega, com irradiação ocasional para o quadril e virilha; aumento da dor com posturas prolongadas; dificuldade de se levantar da posição sentada acompanhada de dor; dificuldade de subir escadas; alívio dos sintomas quando é aplicada uma pressão sobre o sacro e rigidez matinal que alivia após um curto período de suporte de peso (PORTERFIELD; DE ROSA, 1993).
A doença pode ser bilateral, mas quando é unilateral, com maior freqüência afeta o lado direito. As patologias tais como discopatia, síndrome da faceta lombar, doença do quadril e síndrome miofacial, podem atribuir a dor a uma área da articulação sacro-ilíaca, estando sujeitas a um diagnóstico diferencial. Na presença de um quadro clínico de disfunção do sacro-ilíaco, uma discrepância verdadeira do membro reforça este diagnóstico (WALKER, 1992; ATLIHAN et al., 2000).
O padrão de dor de uma articulação sacro-ilíaca foi determinado injetando contraste intra articular em voluntários saudáveis (ATLIHAN et al., 2000; BROWEN; CASSIDY, 1981; FORTIN et al., 1994). Com maior freqüência, a dor se localiza abaixo do território de L5 (estando a área mais específica a 10 cm caudalmente e 3 cm lateralmente em relação à espinha ilíaca posterior-superior, ou seja, a assim chamada área de Fortin) que se irradia para a nádega, coxa e virilha, acabando por se estender para a perna e,às vezes, por imitar a dor ciática (FORTIN; TOLCHIN, 1993; SLIPMAN et al., 2000).
Sacro-ilíaca e dor lombar
Desde o início do século XX, os médicos acreditavam que a articulação sacro-ilíaca constituía a principal fonte de dor ciática, admitindo que, assim como esta, a lombalgia, era causada freqüentemente por quantidade de movimento anormal nas articulações pélvicas, sobretudo na articulação sacro-ilíaca (DEFRANÇA, 1996).
Atualmente são inúmeros os autores que relacionam a dor lombar à disfunção na articulação sacro-ilíaca. Segundo Ricard e Sallé (2002), a pelve é uma das regiões mais importantes a ser tratada do ponto de vista osteopático, pois muitas das disfunções vertebrais têm como origem desequilíbrios na pelve. De acordo com Ribeiro (2003), a disfunção sacro-ilíaca é uma disfunção biomecânica desta articulação e poderia ser uma causa de lombalgia.
Miltner & Lowendorf (1931) apud Molin (1996) afirmaram que a vértebra de transição lombosacra predispunha a entorses na região sacro-ilíaca.
Maigne et al (1996), realizaram um estudo com 54 pacientes que apresentavam dor lombar unilateral cuja localização conferia com a área de dor referida da articulação sacro-ilíaca. Nestes, foi aplicado bloqueio anestésico na articulação sacro-ilíaca e 18,5% (10 pacientes) experimentaram alívio temporário dos sintomas, sugerindo que esta fosse a real fonte de dor.
Testes para articulação sacro-ilíaca
Apesar de sua relevância as articulações sacro-ilíacas são pouco consideradas na avaliação clínica (MORAES; MARINI; LACOURT, 2004).
Para avaliar clinicamente a articulação sacro-ilíaca, vários testes são utilizados. Os testes podem ser divididos em dois grupos: provocativos e de mobilidade (VAN DER WURFF; MEYNE; HAGMEIJER, 2000). Os testes provocativos são manobras que provocam tensão na articulação sacro-ilíaca e, conseqüentemente, provocam dor. Os testes de Patrick e Ganslen são exemplos bem conhecidos cuja descrição pode ser encontrada em praticamente todos os manuais de exame físico. Os testes de mobilidade se baseiam nas alterações de uma referência que podem surgir em movimentos padronizados (RIBEIRO; SCHMIDT; VAN DER WURFF, 2003).
As evidências atuais mostram que a avaliação clínica é a melhor maneira de julgar a presença ou ausência de mobilidade nas articulações sacro-ilíacas e a sua relação com as queixas do paciente (LEE, 2001).
Ao realizar avaliação objetiva das articulações sacro-ilíacas, o examinador procura sinais de assimetria à alteração da amplitude de movimento, diagnosticadas por meio de palpação óssea e testes clínicos específicos (GREENMAN, 2001).
Teste de flexão em pé (TFP) -> o paciente fica em pé com o peso do corpo distribuído igualmente nos dois membros inferiores. Com os polegares, o avaliador palpa a face inferior das espinhas ilíacas póstero superiores (EIPS). O paciente é instruído a flexionar o tronco para frente. A EIPS que se mover cranialmente em relação à EIPS contra-lateral indica o ilíaco que está em lesão (LEE, 2001).
Teste de Gillet -> paciente em pé, com o peso distribuído uniformemente nos dois membros inferiores. O terapeuta palpa a face inferior da EIPS com um polegar e, com o outro, a base do sacro diretamente paralela. O paciente é instruído a flexionar o quadril ipsilateral e, um deslocamento inferior e medial da EIPS em relação ao sacro é observado. Caso não ocorrer, indica lesão anterior ilíaca. Após, o paciente realiza a extensão do quadril ipsilateral e um deslocamento superior da EIPS em relação ao sacro deve ocorrer. Caso não ocorrer, indica lesão posterior ilíaca (LEE, 2001; VAN DER WURFF; MEYNE; HAGMEIJER, 2000).
Teste de Dowing -> em decúbito dorsal,é realizado para verificar se a lesão do ilíaco que fora observado no TFP é em anterioridade ou posterioridade. Com o membro inferior do lado correspondente a lesão deve ser realizada uma rotação externa forçada do quadril, posição que deve ser fixada por alguns segundos, acompanhada de abdução. Ao retornar a posição de extensão o membro deve estar mais longo que o membro contra-lateral, devido a uma rotação anterior do ílio (isto pode ser observado pelo alinhamento dos maléolos mediais do tornozelo, ou por traços previamente riscados sobre a pele do paciente). Caso isto não ocorra, é indicativo de um ilíaco preso em posterioridade. Para identificar um ilíaco preso em anterioridade, é realizada uma rotação interna do quadril forçada, posição que é mantida por alguns segundos. Quando o membro correspondente é posicionado em extensão, o mesmo deve encontrar-se mais curto, significando uma rotação posterior do ílio. O teste é considerado positivo para ilíaco em anterioridade quando isto não acontece (BIENFAIT, 2000; WALKER, 1992; VAN DER WURFF; MEYNE; HAGMEIJER, 2000).
Teste de flexão sentado: o paciente será posicionado sentado sobre um banco com os joelhos afastados e os pés bem apoiados no chão. Com os polegares, o avaliador palpará a curva inferior de cada EIPS. O paciente será instruído a curvar-se o máximo para frente com os braços entre os joelhos. A espinha ilíaca que mais se afastar na direção cefálica durante o movimento será considerada positiva, indicando restrição da mobilidade (GREENMAN, 2001).
Palpação das espinhas ilíacas antero superiores -> realizada em decúbito dorsal, somente o ílio do lado da lesão será avaliado em relação ao outro. Esta palpação identifica a existência de rotação anterior ou posterior de um dos ilíacos. Quando a espinha ilíaca está situada em uma posição mais caudal, significa um ílio anterior, quando se encontra mais cefálica, é porque existe um ílio posterior (BIENFAIT, 2000).
Palpação dos maléolos mediais: em decúbito dorsal. Tem como objetivo detectar discrepância no comprimento dos membros inferiores. Um membro mais comprido do lado da lesão, indica um ílio anterior. Um membro mais curto do lado afetado, indica um ílio em posterioridade (BIENFAIT, 2000).
Palpação da espinha ilíaca póstero superior (EIPS) -> realizado em decúbito ventral para identificar a anterioridade e posterioridade do ílio envolvido na lesão. Quando a EIPS do lado afetado encontra-se em uma posição cefálica é indicativo de um ilíaco anterior e, quando se encontra em posição caudal, indica ílio posterior (BIENFAIT, 2000).
Cibulka e Koldehoff (1999) usaram uma combinação de testes de movimento e simetria para determinar se o paciente possuía disfunção na região sacro-ilíaca e demonstrou alta concordância para o método que eles desenvolveram. Eles determinaram que a disfunção na articulação sacro-ilíaca estava presente no paciente em que 3 dos 4 testes realizados fossem positivos: Teste de flexão em pé, teste de flexão do joelho em decúbito ventral, teste de Dowing e palpação da EIPS na posição sentada. Dois terapeutas avaliaram 26 pacientes com dor lombar inespecífica. A concordância interteste entre os terapeutas para determinar a presença de três testes positivos foi alta, concluindo que este conjunto de testes possui utilidade clínica para determinar quem tem e quem não tem disfunção sacro-ilíaca em pacientes com dor lombar. No entanto, a utilidade clínica destes testes não foi determinada para pacientes com dor originada do disco intervertebral. Outra limitação deste estudo foi que eles não determinaram o tipo de assimetria presente.
Riddle e Freburger (2002) realizaram os mesmos quatro testes feitos por Cibulka e Koldehoff (1999), porém em um grupo maior de pacientes e maior número de avaliadores, observando a concordância e discordância entre terapeutas sobre o lado (direito e esquerdo) e o tipo (rotação anterior ou posterior do ilíaco) da disfunção. Foi considerada também a presença de disfunção sacro-ilíaca se três dos quatro testes realizados foram positivos.
Tratamento da disfunção sacro-ilíaca
O tratamento da disfunção do sacro-ilíaco também é um assunto discutível. Os osteopatas, os quiropráticos e os terapeutas manuais advogam o uso da manipulação e mobilização, que podem ser associadas com medicação e fisioterapia (MCMORLAND; SUTER, 2000). A fisioterapia está focalizada em um programa de exercícios para corrigir desbalanço muscular. O glúteo máximo e o médio, e os rotadores externos do quadril devem ser fortalecidos. Os iliopsoas, reto femoral e jarretes são submetidos a alongamento. Usa-se manipulação e mobilização na tentativa de restaurar a mecânica da articulação. (RIBEIRO; SCHMIDT; VAN DER WURFF, 2003).
Espero que você tenha gostado do texto.
Se você quiser programas de Exercícios específicos para Dores na Coluna, conheça a página de Serviços da FisioQuality clicando aqui .
Se você quiser receber notícias sobre saúde em geral, entre no grupo do Whatsapp e segue a gente no Instagram..
Eu tenho sacroileíte bilateral já por trez anos . virou crônico. a matéria descreveu perfeitamente as minhas dores.
ResponderExcluir